"É uma tradição com quase dois séculos, que está a causar polémica em Campia, uma pacata aldeia do concelho de Vouzela, sul do distrito de Viseu. Vejamos no dia de carnaval, os organizadores "caçam" um gato na rua e metem-no num cântaro de barro, onde fica fechado até à hora da festa. Depois, no largo da aldeia, há um mastro forrado com palha, e o cântaro é elevado por cordas, até ao cimo do pau altaneiro. No fim do desfile do carnaval é lançado o fogo ao mastro, que queima a palha e depois a corda que segura o cântaro. O púcaro de barro cai e desfaz-se em mil cacos. É então que o gato, sentindo-se livre, corre desnorteado, tendo ainda à perna foliões mascarados que o perseguem, alguns de paus e tenazes na mão, tentando apanhá-lo. Sempre sem sucesso, dizem."É uma tradição cruel e primitiva, que serve apenas para divertir uns quantos sádicos", acusa quem não gosta da brincadeira carnavalesca com o gato. O contrário, pensam os que aplaudem a tradição e consideram que ela se deve manter viva. "A minha avó morreu com 90 anos e sempre falou no cântaro de barro com o gato lá dentro. Acho que a tradição deve manter-se fiel ", diz Augusto Henriques, funcionário da Junta de Freguesia de Campia.Numa denúncia enviada aos jornais, os contestatários sublinham que a tradição "tem o presidente da junta de freguesia como um dos organizadores, o presidente da câmara concorda, o padre abençoa a festa e todos os que vêem, calam e consentem"."Todos sabemos que os países civilizados não admitem más tradições, só as que dão alegria e bem estar a todos. Já no terceiro mundo abundam as tradições em que o forte usa o mais fraco os apedrejamentos, os sacrifícios, as amputações, a escravatura, em que as vítimas são geralmente as mulheres, as crianças e os animais", sublinham os contestatários."Não somos fundamentalistas. Aqui não matamos nem mutilamos ninguém", responde Carlos Duarte, o presidente das festas de carnaval em Campia, para o biénio 2008/2009. "Não há violência e o gato não sofre nada de mal. Há 15 anos, foi um dos meus para o cântaro, e nada lhe aconteceu. Apareceu em casa logo no fim da festa", acrescenta o dirigente da festa, garantindo que neste carnaval, dia 5 de Fevereiro, não haverá gato dentro da púcara de barro "para não criarmos e alimentarmos mais polémicas".Queixas na GNRJá o ano passado não houve, porque várias queixas foram feitas à GNR de Vouzela. "O cântaro subiu ao mastro e desfez-se em cacos, mas sem o gato lá dentro", lembra Augusto Henriques."Este ano não há? Ainda bem, não gosto da brincadeira. Não permitia que uma coisas dessas fosse feita com um gato meu, nem com outro qualquer", afirma António Martins, da aldeia de Seixa, freguesia de Campia."Considero que a tradição deve manter-se", atira António Antunes. " in "Jornal de Notícias" de 23 de Janeiro de 2008